A senhora estranhou, na última vez que estivemos juntos, a minha excessiva indulgência
pelas criaturas infelizes, que escandalizam a sociedade com a ostentação do seu luxo e
extravagâncias.
Quis responder-lhe imediatamente, tanto é o apreço em que tenho o tato sutil e esquisito da
mulher superior para julgar de uma questão de sentimento. Não o fiz, porque vi sentada no sofá, do
outro lado do salão, sua neta, gentil menina de 16 anos, flor cândida e suave, que mal desabrocha à
sombra materna. Embora não pudesse ouvir-nos, a minha história seria uma profanação na
atmosfera que ela purificava com os perfumes da sua inocência; e — quem sabe? — talvez por
ignota repercussão o melindre de seu pudor se arrufasse unicamente com os palpites de emoções
que iam acordar em minha alma.
Receei também que a palavra viva, rápida e impressionável não pudesse, como a pena calma
e refletida, perscrutar os mistérios que desejava desvendar-lhe, sem romper alguns fios da tênue
gaza com que a fina educação envolve certas idéias, como envolve a moda em rendas e tecidos
diáfanos os mais sedutores encantos da mulher. Vê-se tudo; mas furta-se aos olhos a indecente
nudez.